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Areia Hostil entrevista Lorde Lobo

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Esta entrevista com Lorde Lobo foi originalmente publicada na edição número 18 do fanzine Justiça Eterna (capa ao lado), editado por Sérgio Chaves, que gentilmente nos concedeu o direito de republicá-la neste espaço. Isso só demonstra a integração e colaboração mútua existente entre os editores independentes nacionais. Desde já agradecemos ao Sérgio por toda a atenção, carinho e respeito a nós dedicados. Para obter mais informações sobre o Justiça Eterna clique aqui. Agora, fiquem com a entrevista  e conheçam um pouco mais sobre o editor do Estúdio Areia Hostil.


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Sérgio Chaves: Por que “Lorde Lobo”?

Lorde Lobo: Putz… Esta é uma história muuuuito longa! Mas vou resumir aqui:

Lá no primeiro grau, ganhei o apelido de “Lobisomem” (foi durante as aulas de Educação Física já que, a cada ponto no jogo de vôlei, eu costumava comemorar com um “YAAHHHUUUUUUU!”. Acho que o pessoal confundiu o grito com um uivo, sei lá…). Com o tempo, o apelido diminuiu para “Lobo”…

Mas foi entre os 16 e 18 anos, quando trabalhei no Banco do Brasil que um colega de trabalho comentou: “Agora que tu tá trabalhando aqui no BB, não és mais um simples Lobo! Passas a ser um “Lorde Lobo”, por causa do salário que nos pagam!”… Bem, a grana nem era lá grande coisa, mas gostei tanto do som dos dois “L” que acabei adotando como nome artístico. Acho que tem dado certo!

SC: Você começou muito cedo a produzir. Qual foi, e hoje qual é, a visão de sua família a respeito?

LL: Sim, comecei muito cedo… Lembro que comecei a desenhar aos quatro ou cinco anos. Minha família sempre me incentivou! E quando fiquei mais velho, quando chegou o momento de optar por uma faculdade e eu disse que queria cursar Educação Artística – Habilitação Artes Plásticas, também contei com o apoio familiar! Concluí o curso em 1999.

SC: Quais foram seus primeiros trabalhos? 

LL: Meus primeiros desenhos eram reproduções dos personagens da Turma da Mônica (minha principal influência gráfica), Disney e Recruta Zero. Inclusive, foi através dos gibis do Zero que tive minhas primeiras noções do quão trabalhoso era fazer uma HQ, pois além dos personagens, eu chegava a copiar uma HQ inteirinha, página por página!Mas, falando por um lado profissional, minha carreira começou no ano de 1992, quando comecei a produzir charges e ilustrações para um jornal de minha cidade. Desde então, sempre me mantive publicando em jornais, revistas ou projetos próprios! 

SC: E qual gênero mais o agrada hoje, como leitor? 

LL: Bem, como leitor, o que mais me agrada são mesmo os super-heróis! Parece que hoje em dia o pessoal prefere esconder que curte este gênero! Preferem dizer que não lêem… mas não tenho problema algum em admitir que curto super-heróis com colantes! E tem muita gente que lê, sim! O Brasil é o segundo maior “consumidor” de HQs de super-heróis! E eu faço parte sim desta estatística!

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Primeiro desenho de Lorde Lobo, guardado por sua mãe, dona Marilene.

O que não pode existir é preconceito contra qualquer outro tipo de quadrinhos! Leio super-heróis! Mas leio também outras coisas! Também curto terror, erótico, drama e, é claro humor! Sendo HQ, é comigo mesmo!

SC: Fale-nos sobre sua experiência com o jornal Chargeta.

LLAh, sim! O Chargeta foi um projeto muito legal! Resolvi criá-lo porque em 1995 eu havia saído do jornal onde publicava… Não suportei por muito tempo o fato de não estar publicando e resolvi então criar o meu próprio espaço! Pensei num jornal só de charges e tiras onde, além de mim, outros artistas poderiam mostrar seus trabalhos! Assim nasceu o Chargeta!

E este jornal foi muito bem aceito! Tanto que durou quase dois anos, tendo uma periodicidade mensal e sendo distribuído gratuitamente nos patrocinadores. Até hoje algumas pessoas perguntam o porquê de eu ter parado o Chargeta! Mas como na época eu estava na faculdade e ele me tomava quase que o tempo todo (deixei de ir a muitas excursões por causa deste jornalzinho), acabei deixando o projeto de lado. Quem sabe um dia eu volte a publicá-lo?

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Algumas capas do jornal Chargeta, dedicado ao hurmor gráfico

SC: Como surgiu a proposta do Areia Hostil?

LL: Sendo breve, o Areia Hostil nasceu como resultado de um curso de HQ ministrado por mim e pelo meu sócio, o quadrinhista Law Tissot… Na época pensamos: “De que vale ensinar este pessoal a fazer HQs se eles não tiverem onde publicar?”. Resolvemos criar, sem muitas pretensões, um fanzine onde os alunos de maior destaque poderiam ter suas HQs impressas… O fanzine deu tão certo que acabou se tornando o nosso principal produto!  A primeira edição foi em fevereiro de 2001 e, de lá para cá, só temos evoluído! Hoje, já contamos até com uma capa impressa em offset!

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SC: Qual a periodicidade que você procura manter (se é que têm essa pretensão)?

LL: Sim, tenho sim esta pretensão… na verdade, já é uma prática da AH há um bom tempo!  Até a 4ª edição, a periodicidade era um tanto solta, sem uma data certa de lançamento. Mas desde o 5º número mantemos um intervalo de 4 meses entre as edições da Areia Hostil. Hoje, sempre nos meses de janeiro, maio e setembro de cada ano tem uma AH nova na rua!

SC: Quando surgiu o super-herói Pátria? Como ele era?

LL: O Pátria era uma espécie de resposta ao Capitão América: Um super-soldado brasileiro a serviço do exército nacional… mas a idéia era tão fajuta (não por se tratar de um super-herói nacional, mas por ser um plágio óbvio ao personagem norte-americano), que resolvi deixar de lado… Ele nem era o meu principal personagem. Na verdade, nem existia um personagem principal! Conforme eu ia pensando num personagem novo, os outros ficavam meio que abandonados.

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SC: Como foi o processo de mutação, até chegar no “invencível Topman”?

LL: Como eu estava dizendo na resposta anterior, o personagem ficou engavetado por muitos anos… Até o dia em que percebi que, na verdade, eu era um cartunista! A minha veia cômica sempre foi mais forte! Resolvi então adaptar todos os meus personagens para um estilo mais cômico.

Usei os dois gêneros de quadrinhos que mais gosto, super-herói e humor, para desenvolver o meu trabalho. Como o Pátria era um personagem que se vestia com a bandeira nacional, mas que no fundo não passava de um plágio de um herói gringo, resolvi fazer dele o personagem principal desta minha nova investida nas HQs.

Os artistas, em sua maioria, quando pensam em um super-herói brasileiro de humor, pensam logo num brasileiro comum, desempregado, sem poderes algum, tentando ser um super-herói… Eu fiz dele um cara realmente poderoso, mas extremamente ingênuo. Mas toda esta origem do Topman é contada numa HQ que está prontinha para ser publicada desde 1999! Esta HQ foi o meu trabalho de graduação da faculdade de Artes e se chama “A (Verdadeira) Origem do Topman”. Pretendo lançar em breve! Nesta HQ, explico até o porquê do nome do personagem ter mudado de Pátria para Topman…

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SC: Quando você entrou no universo dos quadrinhos, literalmente?

LL: Falas do Lorde Lobo, que vez por outra aparece nas histórias do Topman, não? Bem… ele (eu?) surgiu por acaso, numa brincadeira! Foi numa das primeiras tiras do Top que foram publicadas… nesta tira, aparecia um daqueles profetas do apocalipse dizendo: “O mundo vai acabar! O fim está chegando! O próprio criador me revelou isso!”. Então, no segundo quadro da tira, o Top arromba a porta do meu estúdio e pergunta: “Pô, Lorde Lobo, por que tu foi dizer uma coisa dessas pro cara?!

Depois desta, vieram muitas outras tiras onde eu aparecia contracenando com meus personagens.

Mas quando passei a trabalhar com o conceito do Topverso, mudei um pouco a maneira de retratar o Lorde Lobo… Se antes ele era eu nas tiras do meu personagem, agora ele é um outro cara! É aquela velha idéia dos quadrinhos, de alguém existindo em mais de uma dimensão, ou seja, já sabemos que existem dois “Lorde Lobo”! Um é o que tu tá entrevistando e o outro é o que mora no Topverso! Quem sabe um dia eu não me encontre com o Lorde de lá?

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SC: Quais outros personagens incluem-se no “Topverso”?

LL: Antes, deixa eu dizer que, depois que adaptei meus personagens para um estilo de humor, tudo se resolveu! Se antes meus personagens eram soltos, passaram a fazer parte de um universo definido! Foi quando resolvi batizar este universo de “Topverso”, por ser o Topman o personagem principal!

Como disse, no início, os personagens do Topverso eram os meus antigos super-heróis sérios adaptados ao humor… hoje, quando os crio, eles já nascem neste estilo!

Além do Topman, tenho muitos outros personagens! São mais de oitenta, entre heróis, vilões e coadjuvantes! Não tenho trabalhado com todos por causa dos registros, pois alguns ainda não foram registrados… Os que os leitores conhecem – ou podem conhecer – são: Topman, Lorde Lobo, Quarteto Supimpa, Os Prophanos, eX-man. Estes podem ser vistos na revista ou no site da Areia Hostil ( www.areiahostil.com.br ). Os outros, por enquanto, ficam guardadinhos…

SC: O que acha dos atuais quadrinhos nacionais? 

LL: Acho que são injustiçados! Tem muita coisa boa por aí! Muita coisa boa mesmo! Claro que nem tudo é bom, mas se ainda não é, é porque está em fase de desenvolvimento! Tem muita gente trabalhando sério por este Brasil! Tem o pessoal do Manicomics, da Brado Retumbante, da Kaos e tantos e tantos outros…Acho que os quadrinhos nacionais refletem o que somos: uma mistura de cores, raças, opiniões, traços, estilos… sem esta de só ter espaço para um gênero ser trabalhado! Isso é o mais bacana! Artistas competentes não faltam neste imenso país! Para conhecê-los, basta procurar por um destes títulos de revistas independentes que citei! 

SC: Qual o caminho a ser percorrido, na sua opinião, para conquistarmos espaço no mercado nacional? 

LL: Creio que o caminho é este que já vem sendo percorrido: o de luta através dos fanzines! Falta muita coisa! Uma destas coisas é uma política de valorização dos artistas e dos quadrinhos nacionais! Com raríssimas exceções, o que temos aqui no Brasil, nem podemos chamar de editoras, mas sim de republicadoras! Os fanzines têm sido a resposta para todo este sistema opressor, mas no meu modo de ver as coisas, precisamos de uma ação política mesmo! Precisamos nos organizar mais e exigir material nacional em nossas bancas! Quem sabe uma lei obrigando as editoras a publicarem uma porcentagem de material produzido por aqui? Mas aí surge um outro problema, o de ter material nacional nas bancas, mas não ter comprador! O leitor também precisa fazer a sua parte! Eu faço a minha! Além de produzir quadrinhos, compro tudo que é nacional que encontro nas bancas! Mas, por hora, o caminho é mesmo o de luta! E tanto os fanzines quanto os e-zines são as nossas armas!!! 

SC: Você apóia a idéia de uma lei de cotas para a publicação de HQs nacionais? 

LL: Sim, sou favorável a esta idéia, sim! Com raras exceções, aqui no Brasil, poucas empresas podem ser chamadas de ‘editoras’, pois estas estão mais para ‘republicadoras’! Afinal de contas, o que elas fazem é apenas traduzir e republicar material importado! Quero deixar bem claro que não sou contra a publicação de histórias gringas – inclusive, sou um grande colecionador de HQs de super-heróis – mas acho que falta respeito e incentivo aos quadrinhistas nacionais! Dizem que por aqui, poucos são os produtos de qualidade, mas isso é uma tremenda mentira!!! Mas se nem tudo é bom, é produzindo, é publicando que se vai evoluindo! Ou as HQs dos demais países sempre foram boas? Ou só o que se produz lá fora é bom? Lembro que há alguns anos atrás, a Editora Escala lançou um dos melhores projetos lançados até agora: o Graphic Talents (por que não “Talentos Gráficos”?)que, a cada mês, publicava um gibi – em tamanho formatinho – de um artista diferente. Pena que não teve o devido apoio dos leitores e o projeto acabou sendo cancelado…Mas sou sim a favor de uma lei que venha apoiar a produção nacional! Nem precisaria ser por meio de cotas, mas quem sabe, por um esquema de incentivo fiscal às editoras que publicarem material nacional! Acho que isso seria mais simpático do que uma imposição através de cotas… se nossos governantes quiserem, podem ajudar muito a se achar uma solução para esta sede de publicação dos quadrinistas brasileiros! Mas alguma coisa precisa ser feita! Nossos artistas estão a mil, cheios de boas idéias! 

SC: Certa vez teve um cara que me disse (sobre a extinta revista HQ, da editora Escala): “Brasileiro? Xiii… nem vale a pena ler!…” E o que você diz pra esse tipo de pessoa, que não acredita no potencial dos artistas brasileiros? 

LL: Nada! Nem merece que eu perca meu tempo com ele! É o tipo de gente da qual sinto pena! E nada que eu, ou qualquer outra pessoa disser, vai mudar sua opinião! A ignorância é um problema do qual a própria pessoa tem que estar disposta a se curar! Mas fico tranqüilo porque isso tem salvação! Quando eu era bem mais novo – entrando na adolescência – lembro de ter dito algo parecido… depois me arrependi tanto de ter dito algo tão idiota, que fui buscar uma cura: os fanzines! E como já disse antes, hoje não tenho preconceito para com nenhuma espécie de arte seqüencial (confesso que demorei um pouco pra aceitar o mangá, mas já faz um bom tempo aprendi a respeitar os quadrinhos japoneses. E sabe como foi isso? Através dos mangás feito por brasileiros feras que trabalham com este estilo nipônico!), mas que não abro mão do quadrinho nacional, ah, não abro mesmo! Gasto boa parte do meu salário com gibis! Compro sim os traduzidos da Marvel, DC e Image, mas também compro tudo o que é nacional!!! Tenho a coleção completa dos Combo Rangers (só depois fui descobrir que o Fábio Yabu é contra os fanzines, através de um texto dele mesmo!), tenho tudo que saiu pela Graphic Talents (Ed. Escala), tô comprando a Ronin Soul (por que não batizaram a série de “Alma Ronin”?) e até os Guerreiros da Tempestade (ND Comics). Isso sem falar que já conto com uma boa fanzinoteca pessoal!É como eu disse, ignorância tem cura, e eu já me curei!!! Hê! Hê! Hê! 

SC: Bom, amigo LL, agora o espaço é teu. 

LL: Antes de qualquer coisa, quero te agradecer, Sérgio: Obrigado por teres aberto este importante espaço do teu zine* para mim! Nem sei se sou merecedor de tanto! Vou finalizar com mais uma declaração de amor aos verdadeiros representantes dos quadrinhos nacionais, os fanzines! Foi através dos zines que conheci muita gente boa, que divide comigo os mesmos sonhos de ver a produção nacional viva: Law Tissot (meu melhor amigo e sócio da Areia Hostil), Vagner Francisco e Gerson Witte (outros grandes amigos que passaram a ser Conselheiros Editoriais da AH), JJ Marreiro (editor do Manicomics), Léo Santana (editor da Brado Retumbante), Emir Ribeiro, Edu Manzano e tantos e tantos outros nomes que eu precisaria de mais duas páginas só para citar todo mundo! Ah, não poderia esquecer de ti, Sérgio Chaves, outro idealista que tanto respeito e admiro! Um grande abraço a todos!.. 

( * ) lembramos novamente que esta entrevista foi publicada originalmente na edição nº 18 do fanzine Justiça Eterna.

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