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Areia Hostil entrevista Adão Iturrusgarai

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Adão Iturrusgarai e Lorde Lobo

Adão Iturrusgarai é certamente um dos maiores expoentes dos quadrinhos brasileiros. Dono de um traço inconfundível, este gaúcho de Cachoeira do Sul, onde nasceu em 1965, conquistou seu lugar ao sol, colocando no papel muita ironia e irreverência.

Chegou a cursar alguns semestres de Artes Plásticas, mas formou-se em Publicidade e Propaganda, pela PUC de Porto Alegre. Em 1991, editou a Dundum e pouco tempo depois mudou-se para Paris, onde também publicou. Em 1993 volta ao Brasil, mas fica em São Paulo, onde passa o escrever roteiros para alguns programas de humor da Rede Globo de Televisão. No ano de 1994 foi aceito pelos cartunistas Glauco, Laerte e Angeli e passou a fazer parte do trio Los 3 Amigos. De lá para cá, tem publicado em muitas revistas e jornais de todo o Brasil – e também de Portugal – e atualmente, morando no Rio de Janeiro, vem trabalhando com as tiras e histórias da Aline, uma garota com dois maridos.

Areia Hostil: Quando percebesses que sabias desenhar?

Adão Iturrusgarai: Desenho desde que me percebi como gente. Desde criança. Podem

chamar isso de dom… sei lá.
AH: E como passasses a lidar com esta “nova habilidade”? Pretendias usá-la para o bem (Ó, que legal! Poderei fazer um monte de desenhos bonitinhos e enfeitar o mundo!) ou para o mal (Que menina chata, vou desenhar ela bem feia! Ela vai ver só!)?

AI: Sempre pretendi usar para o “mal”. Meus primeiros desenhos eram feitos com cacos de tijolos e a maioria eram pornográficos ou com o intuito de sacanear alguém.

AH: Até então, praticamente teus desenhos eram vistos só por ti e teus familiares, não? Quando foi que começastes a mostrá-los para outras pessoas?

AI: Quando era criança, depois de meus familiares, as primeiras pessoas a verem meus desenhos eram os meus colegas de aula. Eles sempre me elogiavam e diziam que quando eu crescesse seria desenhista.

AH: Tu era do tipo que lia mais livros didáticos ou revistas de histórias em quadrinhos?

AI: Acho que lia mais histórias em quadrinhos. Mas eu era um bom aluno. Lia os livros didáticos e tirava notas boas. E sem me esforçar muito. O meu maior problema era o mau comportamento. Era um aluno muito chato.
AH: Quais artistas mais te inspiravam na hora de desenhar? Ou melhor: Tu começou copiando quem?

AI: Devo ter começado copiando o Mauricio de Sousa e o Walt Disney. Anos mais tarde comecei a copiar o Henfil. Depois vieram Angeli, Crumb…

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AH: Qual foi o teu primeiro personagem próprio? Como ele era?

AI: Tinha os personagens que desenhava quando era criança e não lembro deles direito. Tinha um cientista maluco. Gostava de desenhar os meus colegas de aula. Rocky e Hudson foram meus primeiros person

agens mais conhecidos. Eu tinha 25 anos quando os criei.

AH: Quando começasses a fazer tuas próprias histórias em quadrinhos?

AI: Desde criança. Quando tinha uns 10 anos de idade fiz o meu primeiro fanzine, com a ajuda de um amigo. Acho que lá pelos 14 anos comecei a formatar melhor o meu trabalho, tipo colocar em tiras ou em formato de HQ.

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AH: Sabias que se tratava de um fanzine? Quando tomasses consciência disso?

AI: Na época não sabia que tava fazendo um “fanzine”. Não se tinha informação ainda dessas coisas.

AH: Poderias citar alguns títulos de zines editados por ti? Já eram de humor ou outro gênero?

AI: Não fiz muito fanzine. A Dundum era um fanzine de luxo… Também ajudei a montar “Heroína”, com amigos de São Paulo.

AH: Até onde se sabe, fanzine nunca rendeu muita grana pra ninguém. Então, o que fazias pra ganhar dinheiro?

AI: Me formei em publicidade e propaganda e trabalhei alguns anos como diretor de arte em agências e na prefeitura de Porto Alegre, quando o PT assumiu. Isso me sustentava enquanto fazia quadrinhos e esperava o momento pra viver só do desenho.
AH: E esta formação em Publicidade e Propaganda pela PUC/RS, foi pra obter um certo respeito profissional?

AI: Não foi pra obter respeito. Era a opção mais próxima de minhas aptidões. Afinal, não há curso superior de quadrinhos.
AH: Quando começasses a publicar teus trabalhos em jornais? E como se deu esse primeiro momento? Os editores nunca complicaram pelo fato do teu traço não ser tão “comportado” quanto o do Mauricio de Sousa, por exemplo? Ou foi justamente isso que te facilitou a entrada no mercado?

AI: Meu primeiro cartum foi publicado no Jornal do Povo de Cachoeira do Sul, minha cidade natal. Fiquei admirado ao ver meu trabalho impresso pela primeira vez, com minha assinatura e tal. Aí ganhei uma coluna, um quadradinho semanal. Nunca tive problemas com o meu traço. Talvez mais com a temática, mais agressiva que o quadrinho infantil, tradicional. Mas isso acabou se transformando na minha marca e acho que acabou me ajudando.
AH: Teu “boom” profissional se deu quando passasses a trabalhar com o Angeli e Cia, né? Como foi isso?

AI: Em 1993 decidi mudar para São Paulo. Esse foi um passo importantíssimo para profissionalizar minha carreira. Comecei a escrever roteiros de humor para a TV Globo e comecei a publicar na Folha de São Paulo acompanhado de Angeli, Glauco e Laerte. Também comecei a publicar ilustrações em várias revistas.

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AH: Também passasses um tempo morando no exterior. O que isso te trouxe de crescimento, tanto pessoal como profissional?

AI: Antes de me mudar pra São Paulo morei um ano em Paris. Cheguei a publicar timidamente algumas coisas por lá. Mas lá o mercado é duríssimo, como aqui. Então achei mais jogo voltar pro Brasil. Na época, década de 90, as coisas estavam mais quentes por aqui. Paris me trouxe mais crescimento pessoal. Crescimento profissional tive em São Paulo.
AH: Na tua opinião, atualmente tem surgido coisas boas, ou achas que a safra de novos cartunistas tá um tanto fraca? E como tens visto o mercado brasileiro em relação a este ponto? Existe espaço pra todo mundo?

AI: Acompanho o surgimento de alguns novos e bons cartunistas. Não acho que a nova safra esteja fraca. Acho que tem bons desenhistas que ainda não conhecemos. Nunca vai existir espaço pra todo mundo, infelizmente. Aí, o mercado vai sempre estar no prejuízo… e os editores desconhecem os novos desenhistas.


AH:
Nota-se a pouca abertura de oportunidades para quem tá começando agora (e mesmo pra quem já tá há um bom tempo na batalha, mas que ainda não teve sorte suficiente) mas, recentemente, tu deu uma baita força pro cartunista pelotense Rafael Sica, ao indicar o trabalho dele pro editor do caderno Folhateen, do Folha de São Paulo. Mas e pros outros tantos, qual a saída? Mais uma vez, os fanzines seriam a resposta pra essa galera?

AI: Acho que a saída é continuar desenhando, publicando zines, enviando seus trabalhos para os editores. Não existe uma fórmula mágica. E o mercado é pequeno e fechado. Mas, se cair nas mãos de um editor bacana, quem sabe. Foi o caso do Rafael Sica.

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AH: Mas voltando ao teu trabalho, quem te conhece, percebe uma certa semelhança física entre tu e o Otto, uns dos namorados da Aline. Isso foi intencional ou aconteceu sem querer?

AI: A semelhança foi sem querer. Muitas pessoas dizem que meus bonecos se parecem comigo. O que eu acho uma afronta porque eles são horrorosos… nariz e beiço grande.

AH: Lá em Pelotas, durante o 1º Fórum de Humor Gráfico (setembro/2003) em uma mesa-redonda, dissesses que consideras a Aline como uma espécie de neta da Rê Bordosa, do Angeli. Também te pergunto se essa foi a tua intenção, ou se ela foi tomando o lugar da Rê, no coração dos leitores, de forma natural?

AI: Não foi intencional de maneira nenhuma. Foi uma coisa natural que refleti depois de alguns anos de publicação da Aline. Muita pretensão minha?

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AH: Bem, eu teria mais uma infinidade de coisas pra te perguntar, tipo: Se enxergas a internet como algo que tá vindo pra substituir o material impresso, ou se é só mais uma ferramenta? Quais teus planos para o futuro? Qual conselho darias pra quem tá começando? E assim por diante… Mas não precisas responder estas coisas de sempre porque, pra terminar, vou te deixar com uma pergunta bem cretina: Se tu tivesse nascido Aline, terias criado o personagem Adão?

AI: Não sei se vai substituir o material impresso. Mas a internet vai crescer cada vez mais e os espaços vão se ampliar. Planos para o futuro? Desenhar mais e mais, criar novos personagens, publicar mais livros. Conselhos para quem tá começando? Desenhar bastante, muita coragem e pouca timidez. O caminho é longo e demorado. Se eu tivesse nascido Aline? Ocuparia todo o meu tempo em cuidar de meus dois maridos… pra eles não sumirem do mapa.

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Valeu, Lorde Lobo. Abração.

Adão.

AH: Nós é que agradecemos, Adão! Muito obrigado e continue nos brindando com todos este bom humor, através dos seus irreverentes personagens!

E para quem ainda não conhece a home page do Adão Iturrusgarai, deixamos aqui o endereço eletrônico do cara:

http://www.adaoonline.com.br

*Entrevista originalmente publicada em março de 2004

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